‘Eu ainda menino.’Uma casa térrea, a bacia, da água, em alumínio,sol esbatendo-se sobre sobrado;íngreme ruela, que vai da escola primáriaao quintal do Gouveia, que Deus haja.A vida deu comigo até Lousa, aldeia num planalto;donde as iluminações: Uma queda dum cavalo:Por sorte abraçou-nos terra verde, ali escassíssima.Uma foto tirada quase noitinha, eu num pijama de flanela,num corredor que vai até à fraga. Também a neve.Os passos, sobre ela distanciando-se, eram do meu pai,que ia, a mais uma semana, ao serviço, à vila.A mãe, as sopas, cebola, nabiça, alho, ou milho, amargurando ceias.Bombos, e pandeiretas, gaiteiros, dia fabuloso, cabeçudos, gigantones,zés-pereiras, pertinho a uma varanda nossa, quiçá num 2º andar.Na Senhora da Assunção, em Vilas Boas,estoiravam foguetes e lágrimas.Na noite deslumbrada, da aérea leveza insuflada,caía devagarinho a Madona Branca.Por San Martino:‘Lo rapazo d’la professora anda a la ’scola, la rapaza no.’O forte brado: Gaitas-de-foles, piruetas festivas, saltimbancos.A ciganita a toda a hora pedinchava: ‘Uma codinha, e danço.’Os pulos loucos, os paulitos: ‘Mirandum se fui a la guerra.Num sei quando benerá.Se benerá pula Páscua se pur la Trenidá.’Minha primeira comunhão,e eu com um ar deprimido a posar a eterno retrato.Ribeira, sombras mansas, decadentes chorões.Cegonhas a amplo voo.Tortuosos caminhos, fontanários, água borbulhante.Longas peregrinações, vadiagem, até ao pôr-do-sol, p’las leiras.Vozes limpas, ancestrais, cantarolai-me La Çarandilhera.Voltarei outra vez a ser menino.Por Belém num azulado beco à varanda,a moinhos em papel do vento as velas girando.Estúrdia, noite de Santo António.Cerra-se compacta negridão sobre a murada cidade.Que é dos alunos? E os poetas aluados por onde andam?É já antemanhã, prenhe certeza.Trindade Coelho, conterrâneo,desejavas o Reino. Está aí.
‘Eu ainda menino.’
ResponderEliminarUma casa térrea, a bacia, da água, em alumínio,
sol esbatendo-se sobre sobrado;
íngreme ruela, que vai da escola primária
ao quintal do Gouveia, que Deus haja.
A vida deu comigo até Lousa, aldeia num planalto;
donde as iluminações: Uma queda dum cavalo:
Por sorte abraçou-nos terra verde, ali escassíssima.
Uma foto tirada quase noitinha, eu num pijama de flanela,
num corredor que vai até à fraga. Também a neve.
Os passos, sobre ela distanciando-se, eram do meu pai,
que ia, a mais uma semana, ao serviço, à vila.
A mãe, as sopas, cebola, nabiça, alho, ou milho, amargurando ceias.
Bombos, e pandeiretas, gaiteiros, dia fabuloso, cabeçudos, gigantones,
zés-pereiras, pertinho a uma varanda nossa, quiçá num 2º andar.
Na Senhora da Assunção, em Vilas Boas,
estoiravam foguetes e lágrimas.
Na noite deslumbrada, da aérea leveza insuflada,
caía devagarinho a Madona Branca.
Por San Martino:
‘Lo rapazo d’la professora anda a la ’scola, la rapaza no.’
O forte brado: Gaitas-de-foles, piruetas festivas, saltimbancos.
A ciganita a toda a hora pedinchava: ‘Uma codinha, e danço.’
Os pulos loucos, os paulitos: ‘Mirandum se fui a la guerra.
Num sei quando benerá.
Se benerá pula Páscua se pur la Trenidá.’
Minha primeira comunhão,
e eu com um ar deprimido a posar a eterno retrato.
Ribeira, sombras mansas, decadentes chorões.
Cegonhas a amplo voo.
Tortuosos caminhos, fontanários, água borbulhante.
Longas peregrinações, vadiagem, até ao pôr-do-sol, p’las leiras.
Vozes limpas, ancestrais, cantarolai-me La Çarandilhera.
Voltarei outra vez a ser menino.
Por Belém num azulado beco à varanda,
a moinhos em papel do vento as velas girando.
Estúrdia, noite de Santo António.
Cerra-se compacta negridão sobre a murada cidade.
Que é dos alunos? E os poetas aluados por onde andam?
É já antemanhã, prenhe certeza.
Trindade Coelho, conterrâneo,
desejavas o Reino. Está aí.