segunda-feira, 31 de maio de 2010

MOV02189--Eu Ainda Menino, poema de Angelo Ochoa, dito pelo próprio.MPG

1 comentário:

  1. ‘Eu ainda menino.’

    Uma casa térrea, a bacia, da água, em alumínio,

    sol esbatendo-se sobre sobrado;

    íngreme ruela, que vai da escola primária

    ao quintal do Gouveia, que Deus haja.

    A vida deu comigo até Lousa, aldeia num planalto;

    donde as iluminações: Uma queda dum cavalo:

    Por sorte abraçou-nos terra verde, ali escassíssima.

    Uma foto tirada quase noitinha, eu num pijama de flanela,

    num corredor que vai até à fraga. Também a neve.

    Os passos, sobre ela distanciando-se, eram do meu pai,

    que ia, a mais uma semana, ao serviço, à vila.

    A mãe, as sopas, cebola, nabiça, alho, ou milho, amargurando ceias.

    Bombos, e pandeiretas, gaiteiros, dia fabuloso, cabeçudos, gigantones,

    zés-pereiras, pertinho a uma varanda nossa, quiçá num 2º andar.

    Na Senhora da Assunção, em Vilas Boas,

    estoiravam foguetes e lágrimas.

    Na noite deslumbrada, da aérea leveza insuflada,

    caía devagarinho a Madona Branca.

    Por San Martino:

    ‘Lo rapazo d’la professora anda a la ’scola, la rapaza no.’

    O forte brado: Gaitas-de-foles, piruetas festivas, saltimbancos.

    A ciganita a toda a hora pedinchava: ‘Uma codinha, e danço.’

    Os pulos loucos, os paulitos: ‘Mirandum se fui a la guerra.

    Num sei quando benerá.

    Se benerá pula Páscua se pur la Trenidá.’

    Minha primeira comunhão,

    e eu com um ar deprimido a posar a eterno retrato.

    Ribeira, sombras mansas, decadentes chorões.

    Cegonhas a amplo voo.

    Tortuosos caminhos, fontanários, água borbulhante.

    Longas peregrinações, vadiagem, até ao pôr-do-sol, p’las leiras.

    Vozes limpas, ancestrais, cantarolai-me La Çarandilhera.

    Voltarei outra vez a ser menino.

    Por Belém num azulado beco à varanda,

    a moinhos em papel do vento as velas girando.

    Estúrdia, noite de Santo António.

    Cerra-se compacta negridão sobre a murada cidade.

    Que é dos alunos? E os poetas aluados por onde andam?

    É já antemanhã, prenhe certeza.

    Trindade Coelho, conterrâneo,

    desejavas o Reino. Está aí.

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