Só sonhada ventura me conforte da vivida desventura; sonhe enfim, e fundo frua a doçura que o dia me negou. Moças mil, flores queridas, indícios foram meus d’idílios mil, p’los tempos que aqui tive, dos quais não vi senão enganos. Seja todo teu, donzela das donzelas. - Sedia-m’en San Simion, acercam-se-m’ondas, grandes que son. Ondas m’emparedan, eu sin rum’ ô guia. Ondas s’m’engolfam, e eu cerrad’ a dia. Madre, qu’ondas altas contra mim vêm. Madre, qu’ m’envoltan, e eu prà ’qui sin pé. - Estrelinha num longe céu, frágil barquinha no forte mar, fruste borboleta p’la vastidão adejando, assim eras tu, por esse nosso mundo, meu amor. - Sonhe meu fim descansado num canto terra florido, seja o meu corpo chagado num continuado olvido, ache-se sempre a meu lado da plenitude o sentido, noutro momento moldado o poema seja vivo, pra redizer acabado meu disperso derivar. - Surpreendemos cabriolando a cambalhotas a esperança. Por corridos versos, encetas sussurrar fantasmagorias da manhã, num registo retinido. - Quase delida é a fim a tarde. Versos muitos releio meio insone. Abre-se-me último o sol rubro ao fundo da janela no poente. Reacendem-se-me clarins, gozo que meu ser alado sente. Lidas rimas vão sumindo à vista o percurso, passo a passo ausente. Morto é o passado, no entanto vivo, ido o só instante, débil felicidade. - Os mortos se apartam deslumbrados, deixando-nos bens aqui colhidos. Sinto perto demais o dia certo de deixar pender a chão meu pobre fruto. Mas mais e mais me agarra a vida, a desfrutar o terno amor que te devoto: Eterno reinício, acto incerto, fogo de o teu corpo amar por fado, como eterno meu devotamento à anímica raiz, só puro indício. O desenlace ache a hora boa, que até à vivaz luz prossigo enquanto pasmo. - Tarde descobri a Serra Arrábida, onde está prà alma doce enlevo; tarde a descobri, mas ainda a tempo de seu abraço gozar, divino enleio. Branda me desfrute, íris dum mirar, branda me enlace, sonho realidade, brando me frua o seu frolido ar, arqueada onda da saudade, o meio-dia sem ocaso a clarear. - Na luz nado águas do meu nada; da hora a aura envolve-me alma; soo os versos, assim-assim diversos, graça a que nem meço o início imenso. - Clamei não abraçarmos a terra da paz; não entregarmos a inteira vida; não matar-nos fome e sede de justiça. - Grande luz chegando cá. Noite dentro, aclarada alegria, humaníssimo amor já nos habita. Do sonho exultando s’encaminham pastores até ao luzir sem par, lá por Bethlehem. - Flor Santa Pobreza, comigo durmas hoje, adorável esposa, do Cristo rainha. Ele te saboreou sábio corpo, do odor humilde, bondoso, casto. Proclamada paz radiosa, sacratíssima face ensanguentada. - ‘Dos largos males breve história,’ dura dor, brando sussurro, crua mágoa, temperada rima, fera cegueira, deslumbrada luz, idas memórias, agora vida, pouco ver, mar aberto aos olhos, ardido fogo, renascido amor, fugaz ardor, vivaz luzeiro, sobressaltos, astros, fastos, descaminho, caminho a porto remoto amado, ao o pensar presente, pois Maria porta é prometida, e tida, que por sempre. - Tempo pleno, poema a que nada falta. Hoje inteiro o dia completude. Embarque solidário. Voe até a ponto igual a onde estou, em retorno a mim. Donde vim e vou sou, esclarecendo olhares, derramados, cada lance; indizível sabor, clara verdade. Enquanto risca o vidro num voo curvo a ave.
Só sonhada ventura
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da vivida desventura;
sonhe enfim,
e fundo frua
a doçura
que o dia me negou.
Moças mil,
flores queridas,
indícios foram meus
d’idílios mil,
p’los tempos que aqui tive,
dos quais não vi senão enganos.
Seja todo teu,
donzela das donzelas.
-
Sedia-m’en San Simion,
acercam-se-m’ondas,
grandes que son.
Ondas m’emparedan,
eu sin rum’ ô guia.
Ondas s’m’engolfam,
e eu cerrad’ a dia.
Madre, qu’ondas altas
contra mim vêm.
Madre, qu’ m’envoltan,
e eu prà ’qui sin pé.
-
Estrelinha num longe céu,
frágil barquinha no forte mar,
fruste borboleta p’la vastidão adejando,
assim eras tu,
por esse nosso mundo, meu amor.
-
Sonhe meu fim descansado
num canto terra florido,
seja o meu corpo chagado
num continuado olvido,
ache-se sempre a meu lado
da plenitude o sentido,
noutro momento moldado
o poema seja vivo,
pra redizer acabado
meu disperso derivar.
-
Surpreendemos cabriolando
a cambalhotas a esperança.
Por corridos versos,
encetas sussurrar fantasmagorias
da manhã, num registo retinido.
-
Quase delida é a fim a tarde.
Versos muitos releio meio insone.
Abre-se-me último o sol rubro
ao fundo da janela no poente.
Reacendem-se-me clarins, gozo
que meu ser alado sente.
Lidas rimas vão sumindo à vista
o percurso, passo a passo ausente.
Morto é o passado, no entanto vivo,
ido o só instante, débil felicidade.
-
Os mortos se apartam deslumbrados,
deixando-nos bens aqui colhidos.
Sinto perto demais o dia certo
de deixar pender a chão
meu pobre fruto.
Mas mais e mais me agarra a vida,
a desfrutar o terno amor que te devoto:
Eterno reinício, acto incerto,
fogo de o teu corpo amar por fado,
como eterno meu devotamento
à anímica raiz, só puro indício.
O desenlace ache a hora boa, que até
à vivaz luz prossigo enquanto pasmo.
-
Tarde descobri a Serra Arrábida,
onde está prà alma doce enlevo;
tarde a descobri, mas ainda a tempo
de seu abraço gozar, divino enleio.
Branda me desfrute, íris dum mirar,
branda me enlace, sonho realidade,
brando me frua o seu frolido ar,
arqueada onda da saudade,
o meio-dia sem ocaso a clarear.
-
Na luz nado
águas do meu nada;
da hora a aura envolve-me alma;
soo os versos, assim-assim diversos,
graça a que nem meço o início imenso.
-
Clamei não abraçarmos a terra da paz;
não entregarmos a inteira vida;
não matar-nos fome e sede de justiça.
-
Grande luz chegando cá.
Noite dentro, aclarada alegria,
humaníssimo amor já nos habita.
Do sonho exultando
s’encaminham pastores
até ao luzir sem par,
lá por Bethlehem.
-
Flor Santa Pobreza,
comigo durmas hoje,
adorável esposa,
do Cristo rainha.
Ele te saboreou sábio corpo,
do odor humilde, bondoso, casto.
Proclamada paz radiosa,
sacratíssima face
ensanguentada.
-
‘Dos largos males breve história,’
dura dor, brando sussurro,
crua mágoa, temperada rima,
fera cegueira, deslumbrada luz,
idas memórias, agora vida,
pouco ver, mar aberto aos olhos,
ardido fogo, renascido amor,
fugaz ardor, vivaz luzeiro,
sobressaltos, astros, fastos,
descaminho, caminho
a porto remoto amado,
ao o pensar presente,
pois Maria porta é prometida,
e tida, que por sempre.
-
Tempo pleno,
poema a que nada falta.
Hoje inteiro o dia completude.
Embarque solidário.
Voe até a ponto igual
a onde estou,
em retorno a mim.
Donde vim e vou sou,
esclarecendo olhares,
derramados,
cada lance;
indizível sabor,
clara verdade.
Enquanto risca o vidro
num voo curvo
a ave.