terça-feira, 29 de junho de 2010

MOV03333 Alguns Lidos Clássicos_por_Ângelo Ochôa (1).MPG

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  1. Só sonhada ventura
    me conforte
    da vivida desventura;
    sonhe enfim,
    e fundo frua
    a doçura
    que o dia me negou.
    Moças mil,
    flores queridas,
    indícios foram meus
    d’idílios mil,
    p’los tempos que aqui tive,
    dos quais não vi senão enganos.
    Seja todo teu,
    donzela das donzelas.
    -
    Sedia-m’en San Simion,
    acercam-se-m’ondas,
    grandes que son.
    Ondas m’emparedan,
    eu sin rum’ ô guia.
    Ondas s’m’engolfam,
    e eu cerrad’ a dia.
    Madre, qu’ondas altas
    contra mim vêm.
    Madre, qu’ m’envoltan,
    e eu prà ’qui sin pé.
    -
    Estrelinha num longe céu,
    frágil barquinha no forte mar,
    fruste borboleta p’la vastidão adejando,
    assim eras tu,
    por esse nosso mundo, meu amor.
    -
    Sonhe meu fim descansado
    num canto terra florido,
    seja o meu corpo chagado
    num continuado olvido,
    ache-se sempre a meu lado
    da plenitude o sentido,
    noutro momento moldado
    o poema seja vivo,
    pra redizer acabado
    meu disperso derivar.
    -
    Surpreendemos cabriolando
    a cambalhotas a esperança.
    Por corridos versos,
    encetas sussurrar fantasmagorias
    da manhã, num registo retinido.
    -
    Quase delida é a fim a tarde.
    Versos muitos releio meio insone.
    Abre-se-me último o sol rubro
    ao fundo da janela no poente.
    Reacendem-se-me clarins, gozo
    que meu ser alado sente.
    Lidas rimas vão sumindo à vista
    o percurso, passo a passo ausente.
    Morto é o passado, no entanto vivo,
    ido o só instante, débil felicidade.
    -
    Os mortos se apartam deslumbrados,
    deixando-nos bens aqui colhidos.
    Sinto perto demais o dia certo
    de deixar pender a chão
    meu pobre fruto.
    Mas mais e mais me agarra a vida,
    a desfrutar o terno amor que te devoto:
    Eterno reinício, acto incerto,
    fogo de o teu corpo amar por fado,
    como eterno meu devotamento
    à anímica raiz, só puro indício.
    O desenlace ache a hora boa, que até
    à vivaz luz prossigo enquanto pasmo.
    -
    Tarde descobri a Serra Arrábida,
    onde está prà alma doce enlevo;
    tarde a descobri, mas ainda a tempo
    de seu abraço gozar, divino enleio.
    Branda me desfrute, íris dum mirar,
    branda me enlace, sonho realidade,
    brando me frua o seu frolido ar,
    arqueada onda da saudade,
    o meio-dia sem ocaso a clarear.
    -
    Na luz nado
    águas do meu nada;
    da hora a aura envolve-me alma;
    soo os versos, assim-assim diversos,
    graça a que nem meço o início imenso.
    -
    Clamei não abraçarmos a terra da paz;
    não entregarmos a inteira vida;
    não matar-nos fome e sede de justiça.
    -
    Grande luz chegando cá.
    Noite dentro, aclarada alegria,
    humaníssimo amor já nos habita.
    Do sonho exultando
    s’encaminham pastores
    até ao luzir sem par,
    lá por Bethlehem.
    -
    Flor Santa Pobreza,
    comigo durmas hoje,
    adorável esposa,
    do Cristo rainha.
    Ele te saboreou sábio corpo,
    do odor humilde, bondoso, casto.
    Proclamada paz radiosa,
    sacratíssima face
    ensanguentada.
    -
    ‘Dos largos males breve história,’
    dura dor, brando sussurro,
    crua mágoa, temperada rima,
    fera cegueira, deslumbrada luz,
    idas memórias, agora vida,
    pouco ver, mar aberto aos olhos,
    ardido fogo, renascido amor,
    fugaz ardor, vivaz luzeiro,
    sobressaltos, astros, fastos,
    descaminho, caminho
    a porto remoto amado,
    ao o pensar presente,
    pois Maria porta é prometida,
    e tida, que por sempre.
    -
    Tempo pleno,
    poema a que nada falta.
    Hoje inteiro o dia completude.
    Embarque solidário.
    Voe até a ponto igual
    a onde estou,
    em retorno a mim.
    Donde vim e vou sou,
    esclarecendo olhares,
    derramados,
    cada lance;
    indizível sabor,
    clara verdade.
    Enquanto risca o vidro
    num voo curvo
    a ave.

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