Lidos Clássicos ‘’Té Santa Clara, além ar.’ A graça faz-nos ver. Seus anjos súbitos, nas antemanhãs. Obstinar-se a todos os rumos. Investir, olhos postos no longe a vir, instantes p’lo caminho. As horas de ponta na cidade: Mergulhar o humano, corpo ascendendo no pó, em direcção ao poente, a clamar escombros. Forçoso arrancar a grisu férreo bairros tristes. - ‘Tiram ouro do nariz os poetas.’ Atraem para suas janelas ar puro a remotas paragens: A plenos pulmões inspiram dos cumes himalaicos. Soletram o desconhecido. Constrange-os a humana miséria e por p’los próprios versos a não verem resolvida. Dizem persistentemente paz por condoídas estranhíssimas expressões. - P’la janela rasgada réstia arborizada: Ver-se transparecer o que à face vem florir. - ‘A vida é feita de nadas, grandes serras paradas.’ Fadigas, cantares, gestos, entrega; mãos afagando; cismar fascinada solidão; manso pastar d’alimárias; cuidados desmedidos, lidas esquecidas; aligeirar o olhar até ao ar aberto; colher, flor na haste, o tempo dado. - Aves divagam lonjura, pairam sobre planura, enlevam-me, desvanecem-se pra lá do ar alado, deixando-me saudoso do seu voado curso, antes sonhado. - ‘Não era o vulgar brilho da beleza, era outra luz, era outra suavidade.’ Que me não esqueça; irmã comigo vá; envolva-me inteira; acolha-me meiga; abrigue-me a escuro canto. - ‘Sôbolos rios que vão, por Babilónia, me achei.’ Onde, atido à confusão, me derivaram lágrimas por Sião. - ‘Yo solo vivo dentro de la Primavera. Los que veis por fuera qué sabéis de su centro?’ Se o eclodir solar se desvanece, na ida claridade ainda me fundo. - ‘O silêncio é tão longo que os cães enlouquecem nas ruas. E as noites ficarão imensas.’ Do Jorge de Lima o povoado trecho em eco, transcendendo plausíveis glosas, nua verdade duns uivos, uns automóveis, por fins dum árido Junho. - ‘Eu cantarei d’amor tão docemente, em uns termos em si tão concertados,’ que os distantes ais rememorados não deverão já mais nos ser presentes. Olhos, mãos, vozes às claras madrugadas lançando-se, repetindo-se, nos darão o enlevo moído, saudoso, ausente. Oásis indiciam brandos esgares. Céu carinha, continuemos demanda. Só do amor feridos figuram-se esquecidos pousos a advir; aos quais indiferentes vagabundamos tidos na pálida ideia da luminosa estada; até a fim movidos no livre acto refeitos nos alongamos. - ‘Vi uma noiva entrar num automóvel.’ Seu esguio corpo molemente matando-me a crónica depressão. - Que choras, amiga, à fonte fria? Amores hei. Alba lieiro. Que pranteias, amiga, no jorrar da nascente? De amores só. Alba vai levaando. Amores empeçados sem tento nem fim choro por mim. Alba asinha. - O poeta das olheiras chorosas: ‘Só, incessante, um som de flauta chora.’ Antiga tristura, que lágrimas devoras, o sol há vasto tempo erguido, porque não foste embora? ‘E, no longe, os barcos das flores?’ Pétalas leves sobr’alma derramadas. Será que morro exausto, cumprida e ida a faina? Ou é que o pranto sara, e o pavoroso tremor extingue? Quem sonha alto agora? Astros alcança? Por quais silêncios mora? - ‘Aquela triste e leda madrugada, enquanto houver no mundo saudade’ quero que quede sempre demorada nos meus olhos abertos porque nada. Campos verdes, na clara luz banhados, arvoredos, automóveis, idos passantes pasmados, roucos sons aos dos pássaros acordados mistos. E rosas, e aromas, e tons, e amores de meus amores. Se o dia rompe à mesma hora que a flor, e a neve é véu de bodas sobrevoando, madrugada rompante, dos meus dias, inclines minha alma a jubiloso fervor. Acenam asas voos p’lo monte. - ‘Se não me lembrar de ti, Jerusalém das alegrias.’ Leveza, alados voos, ternura, enlevo, olhar, o dentro das tuas portas, revolto resplendor. Íntimo anelo, ascensão, desde já vista eternidade. - ´
Lidos Clássicos
ResponderEliminar‘’Té Santa Clara, além ar.’
A graça faz-nos ver.
Seus anjos súbitos, nas antemanhãs.
Obstinar-se a todos os rumos.
Investir, olhos postos no longe a vir,
instantes p’lo caminho.
As horas de ponta na cidade:
Mergulhar o humano, corpo ascendendo no pó,
em direcção ao poente, a clamar escombros.
Forçoso arrancar a grisu férreo bairros tristes.
-
‘Tiram ouro do nariz os poetas.’
Atraem para suas janelas ar puro a remotas paragens:
A plenos pulmões inspiram dos cumes himalaicos.
Soletram o desconhecido.
Constrange-os a humana miséria
e por p’los próprios versos a não verem resolvida.
Dizem persistentemente paz
por condoídas estranhíssimas expressões.
-
P’la janela rasgada
réstia arborizada:
Ver-se transparecer
o que à face vem florir.
-
‘A vida é feita de nadas,
grandes serras paradas.’
Fadigas, cantares, gestos,
entrega; mãos afagando;
cismar fascinada solidão;
manso pastar d’alimárias;
cuidados desmedidos,
lidas esquecidas;
aligeirar o olhar
até ao ar aberto;
colher, flor na haste,
o tempo dado.
-
Aves divagam lonjura,
pairam sobre planura,
enlevam-me,
desvanecem-se
pra lá do ar alado,
deixando-me saudoso
do seu voado curso,
antes sonhado.
-
‘Não era o vulgar brilho da beleza,
era outra luz, era outra suavidade.’
Que me não esqueça;
irmã comigo vá;
envolva-me inteira;
acolha-me meiga;
abrigue-me a escuro canto.
-
‘Sôbolos rios que vão,
por Babilónia, me achei.’
Onde, atido à confusão,
me derivaram
lágrimas
por Sião.
-
‘Yo solo vivo
dentro de la Primavera.
Los que veis por fuera
qué sabéis
de su centro?’
Se o eclodir solar
se desvanece,
na ida claridade
ainda me fundo.
-
‘O silêncio é tão longo
que os cães
enlouquecem nas ruas.
E as noites
ficarão imensas.’
Do Jorge de Lima
o povoado trecho em eco,
transcendendo plausíveis glosas,
nua verdade
duns uivos,
uns automóveis,
por fins dum árido Junho.
-
‘Eu cantarei d’amor tão docemente,
em uns termos em si tão concertados,’
que os distantes ais rememorados
não deverão já mais nos ser presentes.
Olhos, mãos, vozes às claras madrugadas
lançando-se, repetindo-se, nos darão
o enlevo moído, saudoso, ausente.
Oásis indiciam brandos esgares.
Céu carinha, continuemos demanda.
Só do amor feridos figuram-se esquecidos
pousos a advir; aos quais indiferentes
vagabundamos tidos na pálida ideia
da luminosa estada; até a fim movidos
no livre acto refeitos nos alongamos.
-
‘Vi uma noiva
entrar num automóvel.’
Seu esguio corpo
molemente matando-me
a crónica depressão.
-
Que choras, amiga,
à fonte fria?
Amores hei.
Alba lieiro.
Que pranteias,
amiga,
no jorrar da nascente?
De amores só.
Alba vai levaando.
Amores empeçados
sem tento nem fim
choro por mim.
Alba asinha.
-
O poeta das olheiras chorosas:
‘Só, incessante, um som de flauta chora.’
Antiga tristura, que lágrimas devoras,
o sol há vasto tempo erguido,
porque não foste embora?
‘E, no longe, os barcos das flores?’
Pétalas leves sobr’alma derramadas.
Será que morro exausto,
cumprida e ida a faina?
Ou é que o pranto sara,
e o pavoroso tremor extingue?
Quem sonha alto agora?
Astros alcança?
Por quais silêncios mora?
-
‘Aquela triste e leda madrugada,
enquanto houver no mundo saudade’
quero que quede sempre demorada
nos meus olhos abertos porque nada.
Campos verdes, na clara luz banhados,
arvoredos, automóveis, idos passantes pasmados,
roucos sons aos dos pássaros acordados mistos.
E rosas, e aromas, e tons, e amores de meus amores.
Se o dia rompe à mesma hora que a flor,
e a neve é véu de bodas sobrevoando,
madrugada rompante, dos meus dias,
inclines minha alma a jubiloso fervor.
Acenam asas voos p’lo monte.
-
‘Se não me lembrar de ti,
Jerusalém das alegrias.’
Leveza, alados voos,
ternura, enlevo, olhar,
o dentro das tuas portas,
revolto resplendor.
Íntimo anelo, ascensão,
desde já vista eternidade.
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